Coisas de outros tempos
quarta-feira, junho 14, 2006
A Colecção Educativa
A Colecção Educativa publicou-se em Portugal a partir da década de 50, integrada no Plano de Educação Popular, destinada por um lado aos alunos da escola primária, o nível de ensino mais básico e fundamental preocupação do regime salazarista no que dizia respeito à educação e o nível considerado obrigatório de escolaridade; por outro lado, pretendia ir ao encontro dos cursos de educação de adultos, tendo como alvo antigos alunos do ensino primário. Para além disso, era uma forma de divulgar o que se entendia como valores nacionais, os hábitos morais e a educação religiosa católica e tradicionalista.
Esta colecção chegou a publicar 115 títulos, que se encontravam divididos por séries: uma primeira, A, de doutrina, a segunda, B, de informação e propaganda, a série C mais orientada para aspectos técnicos e científicos, a D para a História de Portugal, a E para regiões de Portugal Continental ou territórios ultramarinos, a F para a arte e a literatura tradicionais, a G sobre outros aspectos da cultura portuguesa, desde a literatura à arte e à história, a H focando aspectos diversos da civilização portuguesa sob um ponto de vista doutrinal afecto ao regime, a I vocacionada para as tradições familiares mas em que cabiam, por exemplo, os primeiros socorros, a J para o desporto e os jogos, a L sobre técnicas e tecnologias, a M relacionada com aspectos laborais, a N tratando assuntos ligados à agricultura, pecuária ou artesanato e a série O cobrindo uma temática ligada ao teatro e aos contos populares.
Estes livros, em forma de livro de bolso, destinavam-se por isso à generalidade da população já alfabetizada, mas cujo nível de ensino não ia além da escola primária, integrando uma ideia que remontava aos finais dos anos 40, que passava pela criação de bibliotecas básicas nas escolas portuguesas, uma intenção da Junta de Educação Nacional, no âmbito da qual havia sido criada a Direcção-Geral de Educação Permanente no Ministério da Educação Nacional, se bem que uma parte da edição dos livros coubesse à Direcção-Geral do Ensino Primário.
Todas as obras tinham no entanto uma particularidade: a de apresentarem uma citação de Salazar na página a seguir à folha de rosto.
O cariz das obras, os seus autores, muitos deles afectos ao regime, e a citação fizeram com que, após a Revolução de 25 de Abril de 1974, tivesse sido ordenada a sua destruição generalizada em fogueiras que lembravam autos-de-fé, como se relata num artigo publicado em Julho de 2005 pelo jornal Público. Ao que se sabe, já que grande parte dos intervenientes políticos da altura parece não se recordar do facto, tudo partiu de um despacho de Rui Grácio, datado de 17 de Outubro de 1974, onde se lia:
«Tendo sido informado de que nas Bibliotecas dos estabelecimentos de ensino existe quantidade apreciável de livros e revistas de índole fascista, determino que seja elaborada uma circular ordenando a destruição das publicações com esse carácter, depois de arquivados um exemplar, pelo menos, de cada revista e alguns livros a seleccionar, que fiquem como documento ou testemunho de um regime.»
Foram assim queimadas cerca de 51 obras e arrancadas folhas de quase outras tantas. Ainda por essa altura, teve lugar o saneamento das obras desta colecção, sendo «aprovadas» 65 obras e «reprovadas» 47.
Sobre este assunto, recomenda-se a leitura da obra de Daniel Melo, A Leitura Pública no Portugal Contemporâneo (1926-1987).
Etiquetas: A Colecção Educativa, Literatura, Livros